ZERO HORA, 21 de maio de 2012
INDÚSTRIA DO CRIME. Viaturas são usadas para “legalizar” carros roubados
Bandidos utilizam chassi de veículos da polícia arrematados em leilão para esquentar automóveis - GIOVANI GRIZOTTI
Arrematadas em leilões oficiais, viaturas das polícias estão sendo utilizadas para esquentar carros roubados no Estado. O esquema foi revelado ontem pelo programa Fantástico, da Rede Globo, em reportagem produzida pela RBS TV.
Atraídos pelo valor baixo com que são negociadas viaturas acidentadas ou em péssimas condições, bandidos frequentam os pregões de olho no chassi e nos documentos desses carros. Após arrematá-los, roubam um veículo de igual modelo para fazer a transformação: carcaça e partes do automóvel roubado são transplantados para o chassi da sucata. O automóvel híbrido, fruto dessa montagem, passa a circular com o documento do que um dia foi um carro da polícia.
Com câmera escondida, a reportagem esteve em leilão promovido pela Central de Compras do Estado (Cecom), em 2 de março. Na ocasião, estavam à venda mais de 250 veículos oficiais – muitos totalmente destruídos e até sem motor, mas, negociados com documentos por valores baixos, como R$ 1,2 mil reais. Pelas normas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), um veículo com perda total só pode ser vendido para o aproveitamento de peças, sem documentos.
Suspeito com prisão decretada participou de leilão oficial
– Não podiam ter sido negociados em leilão como veículos. Deveria ter sido dada baixa na documentação e vendido somente como sucata – disse a delegada Vivian do Nascimento, da Delegacia de Roubo de Veículos de Porto Alegre, após receber da reportagem a lista de carros arrematados.
Entre os frequentadores do leilão, estava Ramires da Costa, o Alemão Ramires, gravado circulando entre os compradores no dia em que estava com prisão temporária decretada pela Justiça. Capturado na semana seguinte, ele é apontado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) como um dos principais responsáveis por aplicar o golpe no Estado. A quadrilha dele seria a responsável pelo roubo de 300 carros, conforme as investigações. Segundo depoimento informal de um comparsa, gravado pela polícia, ele teria arrematado uma Kombi e dois Vectras no leilão.
Caminhonete recuperada, mas sem uso
Entre os carros que teriam sido “esquentados” por Alemão Ramires, está uma Blazer roubada em 2010 e recuperada em 2011. Uma perícia constatou que ela usava chassi e documentos de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal arrematada em leilão na Capital, em 2007. Dono da caminhonete, o aposentado Carlos Roberto Santos da Silva conseguiu reaver o bem na Justiça. Mas o próprio juiz que deu a sentença decidiu que o veículo só pode rodar se regularizado junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran), situação pouco provável.
– Eu não esperava um carro da polícia rodoviária sendo leiloado para outros fins – comenta Silva.
O aposentado precisou entrar na Justiça porque a Polícia Civil afirma ser impossível a devolução de um veículo nessas condições. Seria preciso desmontar o automóvel, restituindo ao dono apenas partes do veículo. A empresária Marcia Velloso Silva enfrenta problema parecido. Roubado durante um assalto no ano passado, o Vectra dela foi “esquentado” com chassi e documentos de uma viatura da Brigada Militar, adquirida em leilão oficial em junho de 2011, em Estrela:
– Além de toda a violência do assalto, existe agora o fato de que foi esquentado com uma viatura policial. Eu não entendo.
Relação de compradores tem pessoas com antecedentes
Obtida pela RBS TV, a lista de compradores do leilão promovido pela Central de Compras do Estado inclui velhos conhecidos da polícia. Um deles já foi flagrado por receptação. Situação de outro comprador que tem oficina na zona norte da Capital.
Após examinar a relação, a delegada Vivian Nascimento organizou uma fiscalização em outra oficina, na zona sul da cidade, responsável por arrematar 10 sucatas no leilão. Um Vectra com suspeita de adulteração foi apreendido. Após perícia, uma surpresa: tratava-se de um “triclone”: montado sobre o chassi de uma viatura da BM, o carro recebeu peças e acessórios de outros dois veículos roubados.
Uma sindicância aberta pela Secretaria da Administração e Recursos Humanos, à qual a Central de Compras está subordinada, investiga as denúncias. A tendência, segundo a secretária Stela Farias, é de que os carros classificados como “inservíveis”, sejam destruídos. O Departamento Nacional de Trânsito, em Brasília, também anunciou abertura de sindicância.
DETALHE - Segundo a Delegacia de Roubos,“recuperar” uma sucata pode ser inviável economicamente, se utilizadas apenas peças e mão de obra lícitas. Para confirmar, a reportagem da RBS TV adquiriu uma viatura arrematada em leilão e a submeteu a uma transformação. Por uma semana, o Palio que pertencia à Polícia Civil recebeu peças, acessórios e parte da lataria novos. A despesa, incluindo o valor pago pela sucata: R$ 12 mil reais, maior do que o valor de mercado do carro
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